ATA DA SEXTA SESSÃO SOLENE DA SEXTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 29.03.1988.
A SRA. PRESIDENTE: Falarão em nome da Casa os
Vereadores Rafael Santos, Antonio Hohlfeldt e Gladis Mantelli.
Com a palavra, o Ver. Rafael Santos, que falará pelas Bancadas do PDS, PFL, PSB, PL e PCdoB.
O SR. RAFAEL SANTOS: Sra. Presidente, Srs.
Vereadores, Senhores e Senhoras; meu
caro Prof. Assis Brasil, o discurso está aqui, não vou lê-lo. Sabe o meu caro
amigo a aversão que tenho por leituras de discursos e confesso que, até há
poucos minutos atrás, eu não sabia que tipo de discurso eu deveria fazer no dia
de hoje. Ressaltar as suas qualidades de escritor, que levaram esta Casa a lhe
conceder, por unanimidade, o prêmio Érico Veríssimo, seria até certo ponto
desnecessário e entendo que, muito melhor do que eu, o meu caro colega Antonio
Hohlfeldt, que ainda deverá usar da palavra no dia de hoje, terá oportunidade
de fazê-lo, discorrendo sobre as qualidades literárias do nosso homenageado.
Poderia falar no músico Assis Brasil, talvez um pouco esquecido, um pouco
adormecido no fundo de sua alma; poderia falar do professor Assis Brasil,
professor de larga folha de serviço prestado a nossa juventude e que honra
sobremaneira os quadros da PUC; poderia falar do administrador Assis Brasil,
homem que conheci como assessor da Divisão de Cultura do Município de Porto
Alegre, e que, para minha honra, para minha alegria e felicidade, foi o meu
Diretor na Divisão de Cultura. E foi ali, e foi naquele convívio quase que
diário, na dificuldade de administrar com poucos recursos que aprendi a admirar
e a querer bem o Professor Assis Brasil. Poderia ler aqui o currículo de Assis
Brasil, mesmo currículo que apresentei por ocasião em que levei aos nossos
pares, aos nossos colegas de vereança a proposição, no sentido de que fosse
concedido o Prêmio Érico Veríssimo ao Professor Assis Brasil. Acho
desnecessário, pois todos conhecem. O que não resta a menor dúvida é que Assis
Brasil, como homem de letras, como homem de administração, como professor é um
homem que orgulharia e orgulha qualquer entidade da qual ele faça parte. Acho
que é um sentimento porto-alegrense. Todo porto-alegrense que conhece a vida, a
obra, o trabalho, a dedicação, a integridade de Assis Brasil, há de reconhecer
que em qualquer setor em que esteja seu nome inserido, quer como professor,
quer como administrador, quer como literato, quer como escritor, esta entidade
só pode se engrandecer, e, lamentavelmente, Professor Assis Brasil, e esta
nódoa ficará gravada nos Anais desta Casa, a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre dispensou os seus serviços; não precisa do escritor Assis Brasil, não
precisado cidadão Assis Brasil, não precisa do professor Assis Brasil.
Lamentavelmente, Porto Alegre, que tinha nos seus quadros o nome de Luiz
Antônio Assis Brasil, que somente engrandeceria o setor no qual estivesse
trabalhando, seja ele qual for, no entretanto, agora, às vésperas desta
premiação, foi demitido da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, da Fundação de
Educação Social e Comunitária, porque não eram mais necessários os seus
serviços. Eu não poderia deixar de dizer estes fatos no dia de hoje. Por isso é
que deixei de lado o discurso que havia escrito e que até havia distribuído à
imprensa, porque não poderia deixar de registrar que, na hora em que a Câmara
Municipal de Porto Alegre, pela unanimidade de seus Vereadores, reconhece os
seus méritos, e reconhece a sua capacidade, e reconhece o seu talento, não
poderia deixar de que ficasse registrado que o Executivo Municipal não deseja
contar com seu trabalho e com sua dedicação. Peço escusas se a hora não era
oportuna para esse tipo de considerações. Em meu discurso escrito, não havia
feito nenhuma referência a este fato, mas nesse drama que se afigurou até o
momento de chegar a esta Tribuna, entendi que seria meu dever que ficasse
registrado nos Anais desta Casa esse lamentável episódio. Prof. Assis Brasil,
conte com o reconhecimento da população de Porto Alegre que, através de seus 33
Vereadores, lhe concede o prêmio Érico Veríssimo, que representa o
reconhecimento pelo seu trabalho literário. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Concedemos a palavra ao
Ver. Antonio Hohlfeldt, que fala em nome da Bancada do PT.
O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sra. Presidente, Srs.
Vereadores, meu queridíssimo Luiz Antônio, a Valesca, com quem tantas e tantas
vezes, ao longo desses anos, tenho tido a sorte de privar em várias frentes,
meu querido companheiro Joaquim Felizardo, o sempre mestre Dante de Laytano,
Profª. Antonieta Barone, que nós todos já tivemos a oportunidade de homenagear
tantas vezes, mas nunca totalmente merecidamente que pudesse responder a tudo
aquilo que a Antonieta já deu a esta Cidade, minhas Senhoras e meus Senhores,
todos nós que nos encontramos hoje nesta Sessão sabemos por que Luiz Antônio de
Assis Brasil recebeu este Prêmio humilde, mas ao mesmo tempo de um
reconhecimento importante, da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
Vejo aqui o meu Professor de muitos anos, Professor Aldobino, com a sua
esposa. Vejo aqui um companheiro quase que de geração, Jornalista como eu, Ver.
Kenny Braga, hoje também Vereador nesta Casa, por outro Partido. Vejo aqui
companheiros que aprendi a admirar ao longo dos anos, de um trabalho inclusive
lado a lado com os companheiros IEL. Vejo aqui o Arnaldo Campos, o Lauri
Maciel, que são antes de tudo escritores que eu admiro e hoje pessoas que
assumem um desafio grande junto com Felizardo na condução da área cultural
desta Cidade.
Vejo aqui a Ilsa, vejo, enfim, tantos companheiros, tantas pessoas de
vários setores, para não falar daqueles Vereadores como Flávio Coulon, como
Caio Lustosa, que formamos nosso bloco de trabalho nesta Casa, tentando
defender algumas idéias que trouxemos desde muitos anos atrás.
Eu quero começar onde o Ver. Rafael Santos parou. É triste, ouvia eu,
alguns anos, durante a ditadura, numa viagem que fazia à Europa; é triste –
dizia-me um europeu sem entender – que o Brasil se dê ao luxo de dispensar
serviços de intelectuais como Ferreira Gullar, como Paulo Freire, como Darcy
Ribeiro, e me indagavam estas pessoas que crimes tinham eles cometido. E eu me
recordava desta situação exatamente porque, ao pensar hoje no que diria nesta
Sessão, constrangido, porque deveria ser uma tarde de festa, e não pode ser, eu
me lembrava que eu respondia muito singelamente que eles provavelmente ousaram
pensar com independência e ousaram expressar o seu pensamento com esta mesma
independência. Não acreditava que, depois deste duro período de independência,
acabássemos por ver repetidas situações como essas, em que, por questões
políticas, um cidadão que nada mais fizesse na sua vida ainda assim estaria
dando lucro a todos nós e nos daria um imenso orgulho de continuar nesta
Cidade.
Mas não deixa de ser irônico, Sra. Presidente, meu prezado Assis
Brasil, a Valeska, meus amigos, a gente relembrar que, no fundo, no fundo, o
Assis Brasil fez por merecer a situação de hoje pela coerência. Eu conheci
Assis Brasil advogado quando uma Comissão do Instituto Estadual do Livro, sob a
direção da Lígia Averbuck, não sei se ele vai lembrar disso – havia concedido
um prêmio de dramaturgia, e o cidadão que ganhou este prêmio, um paulista, hoje
até em outras posições políticas, diga-se de passagem, mais para Centrão do que
qualquer outra coisa, este cidadão, havia sido cassada a sua peça pela
ditadura, pelas autoridades educacionais e culturais do Estado do Rio Grande do
Sul. Na defesa de seu direito de ganhar e levar o prêmio, este dramaturgo
conseguiu ver no advogado Luiz Antônio de Assis Brasil o seu defensor. Foi o
meu primeiro encontro com Assis Brasil. Os tempos passaram, e eu comentava com
Assis numa mesa de bar há pouco, logo depois de ler “Cães da Província” e
escrevia isso inclusive e dizia para ele: acho que independente de qualquer
questão literária, “Cães de Província” tem uma importância fantástica por
pensar exatamente a reação que o pensamento livre e as posições livres provocam
nas pessoas de baixa estatura. E é interessante notarmos que, de uma certa
maneira, o processo abordado pelo escritor em relação ao Qorpo Santo, na Porto
Alegre daquele século passado, repete-se, em parte, no que hoje experimenta o
nosso homenageado. E por isso que digo que faz por merecer, quem é coerente
numa terra tão incoerente, realmente, corre o risco de ser marcado, de sofrer
marginalizações, de ser repudiado, por aí afora. Assis Brasil, acho que, hoje,
esse prêmio que recebes, homenagem desta Casa, sobretudo é dado ao intelectual
de III Mundo, que todos nós somos, com todas as suas contradições, desafios e
talvez a dificuldade maior, o prêmio maior e o reconhecimento maior é porque tu
não te enquadras numa alusão muito pequena de Eduardo Galeano, o qual dizia em
um dos seus artigos que mais perigoso na nossa triste América é os intelectuais
aderirem ao poder. E como aderem ao poder. Olha-se no País e no Continente e
vê-se como é triste o adesismo daqueles que discursavam tão maravilhosamente
bem contra a ditadura, mas hoje brigam por um pequeno puleirinho no poder municipal,
federal e estadual. Vejo o sorriso da Maria da Glória, que está trabalhando
cada vez melhor nos arquivos de Érico, e me lembro exatamente do preço pago
pelo Érico. Este escritor foi agredido pela direita e pela esquerda, nas
autopretensas qualificadas esquerdas ou direitas, exatamente porque não
aderira. Certo ou errado, mantinha a sua coerência, como me parece que tem
mantido magnificamente bem Luiz Antônio de Assis Brasil. Sinto-me, por isso,
Luiz Antônio, independente da minha relação pessoal e da minha admiração pelo
seu trabalho, muito satisfeito em poder estar na condição de Vereador desta
Cidade, uma condição eventual, passageira, na condição de representante do
Partido dos Trabalhadores, podermos trazer a palavra minha e nossa, partidária,
nós que temos brigado tanto para encerrarmos uma malfadada divisão entre o
trabalhador manual e o trabalhador intelectual. Nós que temos buscado discutir
e nem sempre conseguimos praticar, o desafio é grande, a necessidade de
ultrapassarmos essas fronteiras de divisão, pois, na verdade, nós todos estamos
na mesma luta, uma luta maior, num País, num continente onde cultura e educação
são artigos supérfluos, não chegam nem a terceiro nível, estamos mais embaixo
ainda. Realmente, nós devíamos nos preocupar imensamente em manter entre nós
aqueles que se dedicam com seriedade, com responsabilidade e coerência a essas
questões.
Sempre me lembro da menção de Antônio Cândido num livro extremamente
importante, quando ele lembra que boa parte dos nossos intelectuais, para
sobreviverem, precisaram tornar-se funcionários públicos. Houve alguns que
sucumbiram a essa tentação. Houve alguns que, apesar dessa dependência,
souberam manter a cabeça erguida e o trabalho realmente independente.
Entre tantos, poderemos lembrar Manoel Bandeira, o próprio Drummond dependeu durante muitos anos de uma função pública para poder escapar um pouquinho, escreveu seus poemas, produziu seus trabalhos. Mas acho que nem isso Assis Brasil fazia, porque me lembro que, durante os vários períodos em que acompanhei as tarefas diferentes que Assis cumpriu, até pelo tipo de cargo que ele desempenhava, nem a escapadinha durante o horário de serviço ele podia dar. Ele cumpria a tarefa junto à repartição, que eram tarefas de direção, e acumulava a isso aquela experiência que o Arnaldo tem, que o Lauri tem, que a Maria da Glória tem, que todos nós temos, que é depois, de noite, cansados nos fins-de-semana, ao invés de bater um papo, de sair em férias, a gente se tranca e vai tentar escrever. É o desafio de todos nós, neste Terceiro Mundo e neste Brasil. O poder sempre tentou exercer um controle muito estreito sobre os intelectuais. Um tipo de controle se dá através da cooptação dos cargos, dos prêmios, dos destaques, que não é o caso, com toda a certeza, desta Casa. Mas o outro controle mais direto, mais eficaz, por vezes, mais estúpido é a censura, é a proibição, é a interdição, é a cassação branca ou morena. E é esse o episódio que nós assistimos nesses dias. É a impossibilidade de um trabalhador intelectual ter o mínimo de tranqüilidade quanto ao seu dia-a-dia, e podermos dar, não apenas a nós que estamos hoje convivendo com o Assis, podermos dar a nós, a nossos filhos, a nossos netos, aqueles que nem nós imaginamos quem serão, que não conhecerão, com toda a certeza, a memória dos que hoje cassam Assis Brasil, porque, felizmente, essas memórias se apagam muito rapidamente, mas conhecerão, com toda a certeza, o nome de Assis Brasil, enquanto um escritor, conhecerão a obra do Luiz Antônio de Assis Brasil. E Ter-se-á esquecido aquela insignificância que, em certo momento, decidiu pela sua saída de um cargo para o qual, aliás, não tinha nenhuma remuneração tão significativa assim, em termos financeiros, nestes tempos bicudos. Acho que esta Casa, Sra. Presidente, companheiros, hoje cumpre uma dupla função; há um tempo atrás cumpriu obrigação de acolher a propositura do Ver. Rafael Santos. No decorrer dos últimos dias, cumprimos uma segunda tarefa importante, que eu quero deixar de público, para que se registre nos Anais da Casa e que seja do conhecimento de todos os senhores: tomando conhecimento da ameaça que pairava sobre o Assis, nós coordenamos, junto com as Lideranças Partidárias, as nove representações Partidárias desta Casa, um documento oficial dirigido ao Sr. Prefeito Municipal postulado exatamente isso, o direito que esta Cidade tem de respeitar um escritor que produz e cuja obra fala por si próprio. Este documento foi entregue ao administrador desta Cidade, e ao menos oficiosamente soubemos que não deveríamos nos preocupar, que a situação seria resolvida. Foi curiosos e até surpreso que 24 horas depois soubemos do desfecho da situação.
Esta Casa, eu dizia, cumpriu com sua função e hoje cumpre mais uma vez. No que me toca, quero transformar este ato em mais que um ato de homenagem, mas um ato de protesto por uma situação lamentável que se cria nesta Cidade.
Entendo que Porto Alegre não pode se dar ao luxo de dispensar a
presença ativa de certos cidadãos e com toda certeza, entre eles se coloca Luiz
Antônio de Assis Brasil, cuja biografia, gestos, posturas, cuja contribuição à
cultura não só do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre, como do Brasil, todos
nós conhecemos, e até por isso estamos aqui.
Quem sabe este ato, como conseqüência, consiga devolver a razão aos que
a perderam. E quem sabe, na semana que vem, nós possamos abraçar o Assis Brasil
com um encaminhamento mais conseqüente, mais coerente em relação a sua
situação.
Tenho dito uma ou duas vezes, nesta Casa, a certos homenageados que
realmente a Casa se sente honrada ao poder homenageá-los, acho que hoje é uma
das ocasiões. Eu, pessoalmente, me sinto honrado, Assis, em poder, de público,
dizer da minha admiração, do meu respeito pelo teu trabalho, pela tua obra. Mas
sobretudo pela coerência que tu manténs entre o que tu escreves e o que tu
fazes.
Muito obrigado por participares desta Sessão Solene desta Casa.
(Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Solicito ao Ver. Rafael
Santos que me substitua nos trabalhos da Presidência, desta Sessão, para que
esta Presidente possa fazer uso da Tribuna.
O SR. PRESIDENTE (Rafael
Santos):
Com a palavra, a Verª. Gladis Mantelli, que falará em nome da Bancada do PMDB e
da Bancada do PDT.
A SRA. GLADIS MANTELLI: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores, demais componentes da Mesa, cabe a mim, neste momento, dirigir
algumas palavras ao nosso homenageado, Luiz Antônio de Assis Brasil, e eu
gostaria de, antes de eu começar o meu discurso, dizer que, neste exato
momento, falo apenas pela Bancada do PMDB e lavro junto com os oradores que me
antecederam, Ver. Rafael Santos, proponente desta homenagem, e Ver. Antonio
Hohlfeldt, o mesmo protesto que tão bem já foi colocado por eles, em relação a
tua saída da FESC.
Contrário, também, aos meus Colegas, eu não vou também falar de
improviso, porque acho que falar de alguém que escreve, eu não quero correr o
risco de dizer coisas inadequadas. Então, fui buscar nas palavras de uma
personagem da sua obra “Um Quarto de Légua em Quadro”, uma afirmação que bem
caracteriza o nosso homenageado:
“...Não sou um todo monolítico. Ao contrário: dos pedaços de que sou
feito por vezes escorre o cimento, desconjuntando a obra, ora pendendo-a para
um lado, ora para outro. A unidade desejada, creio que não alcançarei, por mil
anos que viva. Talvez por isso tenho podido passar pelo que passo, sem quebrar,
simplesmente acertando-me, amoldando-me, ajustando-me ao que me acontece”.
E Luiz Antônio da Assis Brasil tem, com aquela propriedade que lhe é
peculiar, demonstrado em todas as atividades a que se dedica a confirmação da
sua capacidade de acertar-se, amoldar-se e ajustar-se às diversas situações que
lhe são apresentadas no cotidiano.
Como jurista, persegue o ideal da Justiça.
Como educador, ajuda a formar a consciência nacional e uma nova geração
mais forte que sabe o que deseja. E tem ciência de que só os jovens, com a sua
força transformadora, poderão garantir melhores dias para este País.
Como pesquisador, mostra a nossa real história, para que vivamos a
verdade e nos conscientizemos de que a grandeza de nossa gente vem de si mesma
e não de falsos heróis, produto de interesses distintos dos do povo.
Graças ao seu espírito de artista, o Prof. Assis Brasil acredita que
esta Nação pode ser feliz.
Na condição de escritor, tem a audácia de ser agente da nossa cultura,
em uma terra onde aprendemos a admirar e importar apenas o estrangeiro.
Audácia esta que vai se afirmando na medida em que nosso homenageado
prossegue em seu trabalho, irradiando sua mensagem para seus leitores, alunos,
admiradores e amigos.
Através disso, suas idéias e ideais vão ganhando força e vida, até quem
sabe, quando um dia, constatemos que o homem deixou de ser lobo para o homem e
o mundo se tornou uma grande família. Para muitos, nada além de um sonho
descabido e mirabolante, mas para outros, como nosso professor, um caminho a
perseguir, uma realidade a construir.
Meu querido amigo Assis Brasil, a outorga que hoje merecidamente
recebes é a homenagem a alguém que tem a coragem de olhar para o horizonte,
acreditar e investir nesta terra de Érico Veríssimo.
O PMDB e o PDT, através desta Vereadora, cumprimenta o ilustre
homenageado, que a exemplo do nosso saudoso Érico, tem levado o nome do nosso
Rio Grande aos mais longínquos rincões deste País. Muito obrigada.
(Não revisto pela oradora.)
(A Sra. Gladis Martelli assume a Presidência dos trabalhos.)
A SRA. PRESIDENTE: Convidamos agora o Ver.
Rafael Santos para fazer a entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao nosso
homenageado, Professor Assis Brasil, e convido os presentes para que, em pé,
assistam a entrega do título.
(É procedida a entrega do Prêmio.) (Palmas.)
Entregamos, também, ao nosso homenageado o Troféu Frade de Pedra, que
traduz o apreço da população porto-alegrense a todas as pessoas que, de alguma
forma, prestam serviços à comunidade; historicamente traduz a hospitalidade
rio-grandense, uma vez que representa o símbolo da fraternidade e de
boas-vindas. Convido a esposa do homenageado a fazer a entrega do Troféu ao
Professor.
(É procedida a entrega do Troféu.) (Palmas.)
Neste momento, concedemos a palavra ao nosso homenageado, Professor
Luiz Antônio de Assis Brasil.
O SR. LUIZ ANTÔNIO DE ASSIS
BRASIL: Sra.
Presidente, suas palavras me emocionaram por tocar, principalmente, no nome
deste que dá título a este Prêmio e por me fazer um aprendiz dele, que sempre
serei, nosso querido Érico. Meu caro amigo Joaquim Felizardo, Secretário
Municipal de Cultura, a quem estimo e tenho no meu mais recôndito mais profundo
do coração, entre aquelas pessoas dignas, verticais, verdadeiras, um grande
amigo que o será para sempre em qualquer circunstância. Meu Presidente Dante de
Laytano, Presidente da Academia Sul Rio-grandense de Letras numa longa
trajetória vem plasmando o itinerário fantástico na cultura do Rio Grande do
Sul, e, por esta razão, é digno de todas as homenagens. Meu caro amigo Danilo
Ucha, amigo à distância, mas um permanente amigo quando, sempre que nos
encontramos, reiniciamos uma conversa que parecíamos que havíamos interrompidos
há 10 minutos atrás, e que foi um dos primeiros a me estimular no meu trabalho
literário, através da Zero Hora. Minha querida Profª. Antonieta Barone, que
neste ato representa a Aliança Francesa, mas, antes de mais nada, vale por si
mesma, por seu trabalho cotidiano, permanente e infindável em prol da cultura
do nosso Estado, seja nos cargos da administração cultural que já exerceu e
onde, sem dúvidas, grandes instituições culturais do Estado têm muitíssimo a
dever e, entre elas, eu destaco, por ser mais da minha área, o nosso querido
Instituto Estadual do Livro. Ao meu amigo Antonio, nem sei o que dizer, pela
generosidade das palavras, pela solidariedade que manifestou neste momento, por
estar sempre presente em todas as horas agradáveis e nas horas menos
agradáveis, e que foi um dos primeiros, também junto com o Prof. Aldo Albino,
que aqui vejo, a tratar da minha obra na imprensa; meus primeiros trabalhos
críticos são de vocês. E, meu caro Prof. Rafael, a quem agradeço profundamente
a essa atitude de haver proposto meu nome à concessão do Prêmio Érico Veríssimo
e também pelas palavras de estímulo e solidariedade. Aos 3 Vereadores Gládis
Mantelli, Rafael Santos e Antonio Hohlfeldt, na passagem em que se manifestaram
relativamente a essa situação completamente esquizofrênica, pela qual eu passei
nos últimos dias, o meu maior carinho, e também a todos os Vereadores desta
Casa que eu sei comigo estiveram. Não posso nomear a todos que estão na
platéia, todos são meus amigos, e eu os conheço um a um; são meus amigos, são
meus alunos, são meus parentes, todos, enfim, eu sei de cada um o que me querem
e, por isso, estão aqui presentes. A todos, a minha saudação muito especial.
Seria um excesso de vaidade considerar que apenas eu ou minha obra
sejam objeto desta homenagem da Câmara de Vereadores; aliás, nem penso, em
verdade, que assim seja.
Esta Casa, onde têm lugar amigos tão queridos, está a honrar, antes de
mais nada, o espírito humano, na medida em que nos faz lembrar, anualmente,
este nome épico de nossa literatura, que foi Érico Veríssimo. Aplaudo a atitude
de instituir-se um prêmio literário nestes moldes, sem inscrição, sem
concursos, sem critérios de hipódromo. Avalia-se uma trajetória, uma
existência, confere-se tal ou qual valor e premia-se.
As honrarias de certo pouco ajudam no sustento do escritor, mas
constituem-se no necessário estímulo de que todos precisamos, por mais
auto-suficientes que possamos ser. Sob este ponto-de-vista, olhando para trás,
para a minha parca década e meia de fazer literário, não reconheço virtudes
suficientes para alcançar a distinção que me outorgam.
O que fiz? Sete romances, uns regularmente acabados, outros
deficientes, outros pouco confiáveis até para mim. Um público fiel, mas que não
daria para lotar um estádio de futebol; algumas boas palavras de crítico é certo
que não me falharam quando precisei de um empurrão para seguir em frente. Uma
obra que, a bem dizer, está longe de estar completa, muito longe. Se me fosse
possível dilatar minha existência até o ponto que desejo, de certeza poderia
apresentar no futuro um quadro mais favorável, uma trajetória mais parelha.
O prêmio vem, assim, em meio a uma corrida em que fazem parar o
corredor para homenageá-lo pelo desempenho que vem tendo até então, e que não é
dos mais brilhantes. Considero-me apenas um escritor de ofício e que põe no
trabalho metódico toda sua esperança e que, embora eventualmente tenha
desempenhado certas tarefas na administração cultural, nunca deixou de escrever
todos os dias, movido por um impulso irrefreável e tolo de eternidade. E, nesta
busca, tenho, sem plano previamente organizado, procurado colaborar para o
melhor conhecimento de nossa identidade brasileira e latino-americana. De fato,
somos habitantes de um continente pouquíssimo explorado. Gerações e gerações de
escritores gastaram suas energias na tentativa de imitação dos modelos
europeus, já gastos e decadentes, esquecidos de que atrás deles havia uma
natureza exuberante e intrincada, um universo fantástico onde o mistério e
delírio profundamente barrocos emergem da terra como as vigorosas selvas
amazônicas. Continente onde os séculos convivem todos no mesmo tempo. Na
latinoamérica a interpenetração dos tempos é um fato verificável, aqui e agora.
Se é verdade que possuímos verticalizadas magalópoles, ainda temos homens que
vivem em pleno neolítico. Aqui partilham o mesmo ar do século XVIII com o
século XX, o século XIX com o século XVII, enfim, uma fusão de épocas que nem a
mais poderosa máquina do tempo poderia criar.
Qual a diferença, por exemplo, entre os servos da gleba medievais que
se encostavam às amuradas do castelo de seu Senhor e os miseráveis de hoje, que
povoam as porta das filiais dos grandes bancos do mundo? Qual a diferença entre
o peão de estância do mil e oitocentos com o mesmo peão de nossos dias? Em
nosso interior, encontramos seres humanos que ainda não têm luz elétrica, nem
água corrente, nem gás, nem luz.
Uma Secretária de Educação de um dos longínquos municípios do Rio
Grande do Sul contou-me, semana passada, que a Prefeitura lotou um ônibus de
escolares e deu-lhes, como prêmio de uma gincana, a possibilidade de conhecer
Porto Alegre. A criançada fascinou-se, como era de se esperar, pela
grandiosidade da Capital, mas o fato mais contundente foi propiciado quando
levaram os escolares a visitar a Assembléia Legislativa do Estado e, para que a
visita ficasse mais completa, as professoras quiseram mostrar o panorama da
Praça da Matriz, no último andar do prédio. Postos em pequenos grupos no
elevador, à medida e que iam sendo despejados no último piso, as crianças entravam
em pânico, agarrando-se às professoras aturdidas, chorando de terror por
desconhecerem como é que chegaram até lá sem terem subido nenhuma escada.
Talvez isso nos faça rir, mas o quadro é deprimente e trágico, além de
absolutamente surrealista, e reforçou esta minha idéia do convívio dos séculos
neste continente. Daí porque, quando me perguntam qual o meu propósito ao
escrever romances que, quase sempre, têm um pano de fundo no passado, respondo
que não tenho propósito algum: simplesmente sou fiel ao que vejo. Falar do
século passado é o mesmo que falar do século atual. O quadro de contrastes é o
mesmo. É absurdo, portanto, pensar que já tenhamos vencido etapas fundamentais
de nosso desenvolvimento e de nossa justiça social. Falando do passado, falo do
presente, por conseqüência: quem tiver olhos para ler, que leia e entenda.
Pode-se, desta forma, dizer que todos meus livros são metáforas, e como tais
gostaria que os entendessem. Ou não é verdade que neste País o mau trato do
intelectual é um fato? Aquele mesmo mau trato dos porões obscuros que
condenaram um Galileu, que martirizaram um Giordano Bruno, que fuzilaram um
García Lorca, toda essa intolerância ainda está presente em nosso País,
disfarçada sob mil formas, seja na humilhante situação do professor, mal pago e
objeto de experiências administrativas, seja na insânia de eminências pardas ou
nem tão pardas que admitem e demitem funcionários do Poder Público sem
critérios objetivos e sem o menor respeito a vidas longamente dedicadas e sem
faltas. Esta repressão absurda e doentia faz com que retrocedamos milênios de
cultura e nos remetem ao rol das nações ainda imobilizadas pela indigência
intelectual. Daí porque sentir-se à vontade falando do passado: ele é mais vivo
do que nunca, aqui entre nós.
Quando à linguagem que uso, alvo de estranheza de alguns, ela é
coerente com a ideologia dos meus livros. Busco uma prosa sonora e cadenciada,
e isto não é mais do que a tentativa de resgatar antigos recursos da língua
materna, tão saborosos e tão prematuramente esquecidos, e que tem suas raízes
na alma do povo. Não um preciosismo, não um rebuscamento, antes a procura de
nossa mais autêntica expressão verbal, transbordante por natureza, que encontra
no colorido de nossas aves e nos volumes caprichosos de nossos frutos a fonte
de contínua inspiração. Não somos um continente cartesiano, racional e
clássico, mas antes despejadamente barroco, ilógico e retorcido.
Não é por nada que nosso carnaval é o mais extravagante do mundo, o que
tem mais brilho e contraste de luz e sombra; nossa prosa brasileira é, por tudo
isso, o retrato de nosso povo. O idioma de Camões transfigurou-se ao pisar solo
americano, inchou e explodiu, incorporando expressões negras e índias,
corrompeu a forma e subverteu os cânones, atropelou a gramática. Sim, meus
amigos, gosto deste idioma que me permite tantas aventuras com a palavra, e que
de um substantivo faz um verbo, de um verbo faz um adjetivo, de um adjetivo faz
um advérbio, numa vertiginosa dinâmica interior, e que me permite fantasiar, indo
ao encalço de nossa realidade mais genuína, numa fusão entre fundo e forma, e
onde não se reconhece qual o mais importante, se a forma, se o fundo.
Mas sei, Senhora Presidente, que todas estas minhas inquietações não se
encontram plenamente realizadas nas minhas obras. Falta-me talvez um maior
destemor, uma visão menos melancólica da vida, mas este é um dado pessoal que
por enquanto não consegui superar. O fato é que sou, contudo e ainda, um homem
confiante. Um homem-professor que, em suas aulas e em seus livros, procura dar
tudo de si para um convívio mais nobre entre as pessoas, alguém que vê no aluno
o bem mais precioso que lhe foi posto nas mãos. Minha atividade docente serve
de elo de ligação entre as idéias e a vida, me estimula e me faz feliz à minha
maneira. A cada dia em que entro nos pátios da Pontifícia Universidade
Católica, Instituição a que me orgulho de pertencer, vejo 23.000 jovens, um
espetáculo difícil de ser encontrado. Riem sem motivo – pelo menos para nós -,
pulsam e vibram como ingênuas caixas de ressonância a qualquer estímulo. Vejo
este espetáculo, e todo meu eventual cansaço se dissipa. Em algumas noites em
que já me considerava nos limites de minhas possibilidades físicas, o pisar na
sala de aula me reergueu, me reanimou e quase sempre fui capaz de dar uma aula
que a mim mesmo me admirou. Temos de acreditar que os jovens ainda modificarão
este quadro de incertezas que vivemos, e nos remeterão a um futuro mais digno e
saudável. Sei que sempre os mais velhos disseram isso, há muitos e muitos anos.
Mas é importante renovar a confiança. Quem sabe um dia dê certo? Para usar uma
imagem já clássica do nosso Érico, se tivermos uma lâmpada elétrica e se esta
queimar, acendemos uma vela, se esta se acabar, risquemos fósforos um após o
outro, para manter sempre alguma claridade.
Por fim, Senhora Presidente, quero agradecer a iniciativa de meu
prezado amigo Vereador Rafael Santos, autor desta proposta, um professor que,
tendo a seu cargo uma Secretaria Municipal de Educação, soube administrá-la com
coerência, dando à cultura toda liberdade que ela precisa para florescer,
jamais impondo nenhuma conduta, jamais exercendo qualquer tipo de coação ou
pressão.
Agradeço igualmente a todos os vereadores desta casa, pois todos me
deram o seu voto e peço vênia, Senhora Presidente, para agradecê-los em
particular por uma bela iniciativa de poucos dias atrás e que muito me
sensibilizou, e que ficará gravada perpetuamente entre as minhas recordações
mais confortáveis.
A meus amigos que aqui acorreram, aos oradores que me antecederam,
muito obrigado. O estímulo que me dão não tem palavras suficientes para ser
agradecido. Sigo confiante na minha rota, e, neste momento, partilho esta
láurea com todos meus colegas de ofício, pois como disse antes, se em mim não
reconheço virtudes para prêmio, sei que ele bem representa uma homenagem e uma
dignificação do espírito do homem. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Compete à Presidência dos
trabalhos, ao propor o encerramento dos mesmos, dirigir algumas palavras aos
convidados do homenageado e ao homenageado. Ao homenageado, em si, já as dirigi
falando em nome de meu Partido e da Bancada do PDT, com assento nesta Casa.
Neste momento, falo pela Instituição, não mais como uma mera Vereadora com a
sua Sigla Partidária associada. E esta Casa é uma Casa feita de homens e
mulheres que acertam, erram, que procuram, realmente, de uma forma digna,
representar a população desta Cidade; dentre os seus acertos, em primeiro
lugar, veio a criação do Prêmio Literário Érico Veríssimo. Esta Cidade
precisava da criação deste Prêmio para poder homenagear figuras como a que hoje
nós homenageamos.
Outro acerto foi exatamente este, esta Casa ter votado a concessão do
Prêmio ao Professor Luiz Antônio de Assis Brasil. Ele, no seu discurso, que por
si só, vocês que estão aqui admitirão junto comigo, que seria uma das razões
quase que suficientes para que o mesmo recebesse o prêmio. Voltou a colocar as
suas perspectivas de vida naquilo que ele acredita, na sua coerência. E esta
Casa, então, se sente realmente muito gratificada, e ela é que se sente
homenageada em homenagear alguém da estatura e do porte do professor e escritor
Luiz Antônio de Assis Brasil.
Nós agradecemos a presença de todos e, em especial, do professor
Joaquim José Felizardo, do Professor Dante de Laytano, do jornalista Danilo
Ucha, da professora Antonieta Barone e consideramos encerrada a presente
Sessão.
Estão levantados os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às 18h21min.)
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